Esta resenha do livro de Detlef Mertins, "Mies" - por Thomas de Monchaux - aparece originalmente em Metropolis Magazine como "Mies Reconsidered". De acordo com de Monchaux, Mertins revela o mestre modernista como um leitor voraz que interpretou uma ampla variedade de influências para chegar a seu estilo conciso.
A página essencial das 528 que formam a nova monografia monumental de Detlef Mertins sobre Ludwig Mies van der Rohe—intitulada simplesmente Mies (Phaidon, 2014)—é a 155. Nela você encontrará uma reprodução, uma página dentro de outra, da página 64 do livro de 1927 de Romano Guardini, Letters from Lake Como— um livro sobre modernidade e subjetividade humana - com as anotações do próprio Mies nas margens, em uma letra surpreendentemente delicada e ornamentada.
E lá encontrará as observações de Mertins sobre as anotações de Mies sobre Guardini: “De todos os livros na biblioteca de Mies, Letters, de Guardini, é o mais marcado. Mies destacou passagem atrás de passagem com traços rápidos e ousados nas margens, e escreveu palavras chave na diagonal sobre as primeiras páginas de muitos dos capítulos: Haltung (postura), Erkenntnis (conhecimento), Macht (poder).” A marginalidade viva de Mertins, sua atenção aos detalhes divinos ao longo dos limites remetem à experiência de ler Talmud, o comentário sobre a lei e as escrituras judaicas em que, ao marcar e corrigir as marcas e correções de leitores prévios, gerações de rabinos construíram um diálogo íntimo através do tempo e do espaço.
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Mies - como muitos arquitetos um alpinista social inventado e mutante - era um autodidata. Embora tenha cursado alguns anos em Latim e aritmética em escolas religiosas em Aachen, Alemanha, onde nasceu em 1886, sua educação formal era mínima. Sua jornada de uma família de pedreiros para um cavalheiro com modos de um aristocrata mundial foi em grande parte uma questão de aprendizado (mais notavelmente com o mestre moderno Peter Behrens, com quem Walter Gropius e Le Corbusier também treinaram). E ele leu. E leu. Mertins, em sua própria educação outro leitor voraz, cataloga a biblioteca com que Mies foi de Berlim a Chicago em 1938: "Mies trouxe consigo livros de biólogos evolucionistas, botânicos, astrônomos, físicos, bem como filósofos, sociólogos, psicólogos, arquitetos, urbanistas e historiadores e críticos de arte". Chegando na América, Mertins observa com eufemismo, "ele atualizou sua leitura".
Com uma mistura eclética de autores familiares e obscuros, de Alfred North Whitehead a Max Scheler, estes livros foram do tipo que capitalizaram palavras como Espírito, Era e Homem. Eles continham - de forma encantadora e perturbadora na era atual de especialização e imediatismo tecnológico - teorias imensamente sintéticas buscando reconciliar leituras interdisciplinares de ciência, cultura, história e teologia com os turbulentos eventos políticos e econômicos das primeiras décadas do século XX. O primeiro grande patrono de Mies, que o ensinou este tipo de leitura - e que talvez tivessem implicações na arquitetura - foi o filósofo Alois Riehl, para quem, em 1907, o arquiteto prodígio de 20 anos produziu uma casa de veraneio de duas águas em estilo neo-Biedermeier no elegante subúrbio de Potsdam-Neubabelsberg.
Em Architecture 101, a casa (com ênfase inevitável na cobertura plana proto-moderna de sua varanda lateral) inicia meio século de edifícios cuja diversidade e estranheza são mascaradas por sua onipresença, em citação e imitação, nos currículos e paisagens urbanas atuais. Há o classicismo erudito do Monumento Bismarck de 1910; o expressionismo dos desenhos de Friedrichstrasse de 1921, nas palavras de Mertins “a primeira vez, em qualquer lugar, que um arranha-céu foi concebido como um cristal monumental"; as caixas brancas demasiadamente organizadas do projeto de habitação Weissenhofsiedlung de 1923 (resumido pelo curador do MoMA e colaborador subsequente Philip Johnson, em sua exposição de 1932 de mesmo nome, Estilo Internacional); o modernismo elegante de mármore e metal do Pavilhão de Barcelona de 1929; a direção da era nazista da Bauhaus e suas obras inquietantes não construídas; a graciosa Casa Farnsworth de 1951 em Plano, Illinois (batida nos livros de história pela imitativa Glass House de 1948 de Johnson); o icônico Edifício Seagram de 1956, em Nova Iorque—todo em bronze, mármore travertino, vidro e aço—que definiu o modelo monolítico dos arranha-céus americanos por um quarto de século; e a obra prima tardia, a National Gallery em Berlin, de 1967, com sua cobertura flutuante e peso infinito.
Toda essa leitura, trabalho, maestria, resolução conclusiva e padronização de detalhes, aquela face trágica acima do inevitável charuto - é um ato difícil de seguir. Mertins dá as primeiras palavras de sua monografia, “Less is a Bore,” ao pós-modernista Robert Venturi—cujos edifícios tentaram provar esta afirmação, um trocadilho com o famoso aforismo moderno minimalista de Mies de que "less is more"—e imediatamente cita a reação pesarosa de Venturi de que "todos os arquitetos deveriam beijar os pés de Mies". A eventual tese de Mertins, tão forte, ainda que esbelta, como uma viga em I, é que embora frequentemente pensemos em Mies como um absolutista aforístico, Mies, o eclético autodidata, sempre conteve esta complexidade e contradição - entre vanguarda e historicismo, corporativo e contrário, embaçado e afiado, pesado e leve. E que nesse sentido, para todas as maneiras em que Mies parecia sempre ter a última palavra, ele estava sempre começando de novo.
Essa idéia estreita perfura uma amplitude extraordinária de biografia e historiografia, em que Mertins iguala síntese massiva e fascínios díspares dos amados autores de seu tema. Mertins, conhecido como um estudioso generoso e professor gentil em uma academia arquitetônica que menospreza estas virtudes, faleceu durante o trabalho neste livro, que foi finalizado por sua parceira, Keller Easterling, e os interlocutores Barry Bergdoll, Ed Dimendberg, Felicity D. Scott, e outros. Seu trabalho confirma e dá continuidade a uma conversa entre Mies e Martins que, como aquelas entre antigos rabinos separados por séculos, é talmúdica em seu compasso e complexidade, e transcende o mero detalhe da morte.